Executantes de música tradicional destacam o valor simbólico do estilo

A importância de se prestar um maior apoio aos grupos de música e dança tradicionais no país tem sido uma das preocupações de alguns executantes da marimba, que realçam o valor simbólico do estilo folclore, ao mesmo tempo que alertam para o risco do seu desaparecimento.

A dupla “Marimbeiros da Kalandula” é formada por João Pinto dos Santos e Abranches Paukino Mukixi. Consideram-se os melhores e únicos executantes profissionais do estilo a actuar na capital do país. João Pinto dos Santos toca desde muito cedo, quando ainda tinha 12 anos, um legado transmitido e ensinado desde os tempos dos seus progenitores em Malanje. São da aldeia do Quela que pertence a Kalandula, onde garantem existir, naquela região, bons exímios tocadores da marimba. Embora os critérios de avaliação sejam discutíveis devido à falta de especialistas sobre a matéria, eles são os mais conhecidos e referência no mercado.

Após a independência, João Pinto dos Santos veio viver em Luanda através do irmão mais velho, Vieira Pinto, que pertencia ao conjunto musical FAPLA-POVO. O pai foi bailarino e marimbeiro. Devido à idade foi transmitindo o legado aos filhos. Com 16 anos e sem grandes experiências sobre a mobilidade em Luanda, o mestre “Marimbeiro da Kalandula”, como é conhecido nas lides artísticas, explicou que não foi fácil a sua adaptação, mas com ajuda do irmão, as coisas tornaram-se mais fáceis. Por motivos de saúde do pai, o irmão mais velho teve que regressar para Malanje para cuidar do progenitor.

João Pinto dos Santos conta que teve que assumir o lugar do irmão no conjunto onde fazia dupla com o falecido marimbeiro Serafim Malengue e o bailarino José Marques . Conta que a primeira actividade na qual participou foi no Hospital Militar e a sua primeira deslocação para o estrangeiro foi em 1989, em Cuba, na época da realização do primeiro Festival Nacional da Cultura (FENACULT).

O marimberio disse que o grupo sempre foi subvencionado pelo Ministério da Cultura e Turismo, mesmo no tempo do então presidente Agostinho Neto.

O ressurgimento

Com a morte do Fundador da Nação angolana, em 1979, o grupo sofreu uma baixa e interrompeu as actividades artísticas, para recuperar anos mais tarde com o reencontro com o músico Santocas que os resgatou em 1993. O percussionista lembra que o reencontro foi na Mutamba, na baixa de Luanda, onde o grupo fazia os ensaios para manter a rotina. Explica o músico Santocas convidou-os para regressar e recuperar as marimbas danificadas que se encontravam no ministério.

O regresso à ribalta, disse, trouxe lembranças que o tempo nunca apagará. Os “Marimbeiros da Kalandula”, explicou, sempre fizeram as aberturas dos eventos presidenciais, de várias embaixadas, instituições públicas e privadas. “Quando o Presidente Neto foi visitar pela primeira vez o Hospital Militar fui quem o recebeu a tocar a marimba e na época estava com 19 anos”.

Ressaltou que o processo foi contínuo e repetiu-se no tempo do falecido presidente José Eduardo dos Santos. O marimbeiro João Pinto dos Santos disse que já existe muita gente interessada em aprender a tocar a marimba, mas por falta de apoios tem limitado o processo de ensinamento somente aos filhos.

Em sua casa, no bairro Balumuka, no Cassequel do Buraco, tem procurado ensinar a juventude que se mostra interessada em aprender a tocar o instrumento musical. Embora não considere exactamente uma escola, é um espaço reservado em casa onde tem procurado transmitir o legado que vem de gerações anteriores.

O marimbeiro reconheceu que o processo de aprendizagem não é fácil, mas, com dedicação, as pessoas aprendem a tocar os instrumentos. Razão pelo qual defende o aprendizado desde pequeno por causa dos processos de assimilação. “Tocar a marimba é um processo delicado e que precisa de alguns anos de experiência”.

Para sobreviver, uma vez que nem sempre são convidados para participar em espectáculo ou em festivais de música tradicional, disse, que se tornou artesão em 1991. Desde então, tem procurado produzir marinbas pequenas, médias e grandes para serem comercializadas nas ruas, no mercado do Artesanato, no Benfica, na Mutamba e na Ilha de Luanda. “Tenho muitos clientes, nacionais e estrangeiros que gostam do meu trabalho. Construi as minhas casas com a minha arte e não me arrependo de ser um marimbeiro, mesmo diante das dificuldades que enfrentamos”. Actualmente é acompanhado pelo seu “discípulo”, Abranches Paukino Mukixi, hoje com 48 anos.   

Mais incentivos  

João Pinto dos Santos esperava que ao longo dos anos o cenário no país se alterasse e os apoios não fossem uma miragem. O mestre apela para uma maior valorização da classe, dos estilos de raiz e a própria preservação da matriz cultural nacional. Lamenta que ainda se continue a fazer muito pouco para a preservação do folclórico, uma realidade que continua a “resistir no tempo”.

O marimbeiro explicou que o Executivo precisa de encontrar formas de conseguir ultrapassar as barreiras que inibem o desenvolvimento das artes e dos seus executantes. Manter-se no activo, frisou, não tem sido tarefa fácil para ninguém, sobretudo para os grupos tradicionais que são pouco valorizados internamente.