Quase todos os caminhos vão dar ao Corredor do Lobito

Foi apenas em 1931 que chegou ao Lobito o primeiro carregamento de cobre do Katanga, mas a ferrovia que permitiu trazer as riquezas do então Congo Belga, hoje República Democrática do Congo, nasceu de uma lei portuguesa de 1899.

À frente do projecto estava o escocês Robert Williams, que fora amigo de Cecil Rhodes e que percebeu as vantagens do Caminho-de-Ferro de Benguela: para os portugueses permitia ligar a costa angolana  ao Planalto Central e mais além ainda à província do Moxico; para os belgas, dava-lhes um  acesso bem mais curto ao Atlântico que via o seu próprio território quase  sem saída marítima; e para os britânicos, através de uma ligação à sua própria rede ferroviária nas duas Rodésias, permitia também escoar os minérios extraídos da  actual Zâmbia.

As obras terminaram em 1929, com os carris a ligarem o Lobito, da costa, ao Luau, na fronteira, a estenderem-se  ao longo dos 1301 quilómetros. Mas, as três décadas que tardaram a conclui o projecto mostram bem as dificuldades encontradas.

Por um lado,  a Primeira Guerra Mundial, também travada na África Austral, obrigou a parar tudo bem mais que os quatros anos que o conflito durou. Por outro, as zonas montanhosas e os vários rios pelo caminho obrigaram  a alguns feitos de engenharia e à construção de pontes espectaculares que ainda fazem parte da paisagem angolana.

Os custos acabaram por  ser elevadíssimos, mas nada que se comparasse com os dividendos obtidos com o transporte de mercadorias. Na época, o transporte de passageiros era secundário, pois os minérios eram os reis, mas havia carruagens com vários níveis de conforto.

Com as suas variantes, o Caminho-de-Ferro de Benguela atingiu um máximo de 1679 quilómetros e a caminho das fronteiras da actual República Democrática do Congo passava por cidades como Benguela, Lobito, Cubal, Caála Cuito e Luau, esta última, então, chamada Vila Teixeira de Sousa, nome dado pelos colonialistas portugueses, que também chamavam Nova Lisboa ao Huambo, revelando ambições de capital para  esta grande terra do Centro de Angola. A última extensão da ferrovia foi feita já nos anos de 1970, em véspera da independência.  

Com uma concessão  de 99 anos, os Caminhos-de-Ferro de Benguela, com a sua sigla CFB nas locomotivas, tiveram de ser imaginativos para arranjarem combustível para os comboios. E foi brilhante a ideia  de comprar da Autrália sementes de eucaliptos de crescimento ultra-rápido. 

Criou-se, então, em terras  angolanas, a maior plantação privada de eucaliptos do mundo, ocupando cerca de 37 mil hectares.

Para alimentar as locomotivas do CFB durante um ano, chegavam a ser  queimadas 570 mil toneladas, o que deixava  ao longo do caminho um cheiro que se tornou parte  do mito deste caminho-de-ferro  africano.

Os   serviços de  escoamento de minérios de países como a Zâmbia e a República Democrática do Congo (antigo Congo) até ao Porto do Lobito e daqui para exportação representavam mais de 60% da receita da companhia.Era no tempo em que os minérios eram essencialmente derivados das riquíssimas minas da então chamada zona do Cinturão de Cobre da África Central, compostas pelas regiões mineiras da província de Copperbelt (Zâmbia) e das então províncias do Alto Catanga e Lualaba (RDC), considerada a mais importante de África,  mas que também produzia cobalto, estanho, rádio, tendo inclusive a ser responsável por  60% da produção mundial de urânio e por 80% dos diamantes industriais.

Esta época dourada do CFB, que seria  responsável pelo desenvolvimento de Benguela e Huambo, que só foi interrompido em 1975  por uma  guerra civil que havia de durar aproximadamente quatro décadas.

Volvidos 50 anos,  a concessão do Corredor do Lobito parece pretender  voltar a conferir ao CFB o seu velho estatuto: ser o maior e mais importante modal do tipo em Angola.

Contrato elaborado

Ao contrário do que sucedeu na época colonial, não serão as empresas pequenas a marcar o ritmo das concentrações. Esta é uma concessão mais sustentada, com uma previsão de operações de maior dimensão,

O contrato celebrado pelas partes traz expectativas de mudanças estruturais a médio e a longo prazos. O consórcio vai assumir segmentos por demais carentes, como os da exploração, operação e manutenção de transporte ferroviário e mercadorias, além de toda a infra-estrutura existente ao longo do Corredor. Deverão ser investidos 256.039.095 dólares em infra- estruturas, 73.396.479 dólares em equipamentos e material circulante e um valor adicional  correspondente a 4.345,235 dólares em actividades diversas.

Outros números relevantes dizem respeito às previsões do transporte de carga, que apontam para 1.677,70 toneladas nos primeiros cinco anos de concessão, 2.982,31 no 10º ano e 4.979,23 toneladas no 20º e 30º anos.

Desse modo, numa modalidade equivalente a uma renda, o  Estado angolano deve arrecadar até dois mil milhões de dólares  em receitas, pagos em três fases separadas por dez anos, sendo a primeira de 319 milhões de dólares, a segunda 787 milhões de dólares e a última de 919 milhões de dólares.

O Corredor do Lobito faz parte de uma rede  ferroviária transcontinental com uma extensão de 1.866 quilómetros, 1.344 dos quais dentro de Angola – entre Lobito e Luau – dando acesso à parte mais interior do país e da RDC. Em Tenque, encontra-se ligado aos sistemas ferroviários da RDC, mais propriamente ao Dilolo,  e daqui para a  Zâmbia, através deste último, chega às cidades da Beira (Moçambique) e de a Dar-es-Salaam (Tanzânia), três países virados para o Oceano Índico.

Se é verdade, como avançam os executivos da Tanzânia-Zâmbia Railway Authority (Tazara), que os  grandes portos de Mombaça (Quênia), Durban (África do Sul) e Dar-es-Salaam (Tanzânia) estão quase saturados por causa do escoamento dos minerais provenientes, principalmente, da RDC para as potências orientais – obrigando inclusive a  construção de novos portos como o de Lamu, no Quénia, ou o de Bagamoyo, no Norte de  Dar- es-Salaam, também é certo que o Corredor do Lobito se afigura como alternativa, factos que constituem boas notícias para os empresários, que já esfregam as mãos perante novas e apetitosas oportunidades de negócios e para os banqueiros que se preparam para trabalhar dias a fio em operações de engenharia financeira.