O boom é da agricultura familiar

É verdade que o leste do nosso país precisa, com urgência, de desenvolver o seu potencial agrícola, especialmente em matéria de produção de grãos como o arroz e o trigo, aproveitando-se assim das extensas zonas pantanosas em alguns pontos da região.

Os recentes planos do Governo para o aumento da produção agropecuária, uma proposta da classe empresarial, poderá tirar também grande proveito das infraestruturas que concorrem para o aumento da produção.

Um dos casos incontestáveis ou incontornáveis é o do canal do Cafu independentemente do incidente recente com aquele equipamento – que deverá dar lugar a uma cintura verde significativa para aquela região. De resto, não é de estranhar, por isso, o interesse que algumas empresas do ramo agrícola, de origem estrangeira, em particular brasileiras, começam a denotar pela região. 

Nos últimos anos, estamos a conhecer um relativo boom da produção agrícola e é expectável que os níveis de produção venham a aumentar para lá do que actualmente ocorre. Segundo os dados do relatório de fundamentação do Orçamento geral do Estado para 2023, o peso da agricultura na economia não petrolífera é já considerável. E pode ser ainda maior se tudo correr como previsto.

Há, entretanto, a necessidade de fazermos um melhor aproveitamento das bácias hidrográficas, com a valorização de sistemas de rega que permitam uma correcta dosagem da quantidade de água para a irrigação, bem como algum investimento na conservação, correcção e melhorias na qualidade dos nossos solos.

Não obstante isso, de Cabinda ao Cunene, diariamente chegam-nos notícias de experiências e casos de muito sucesso em termos de produção agrícola, pecuária, pesca e aquicultura. Pena que nem sempre suficientemente promovidos e valorizados em termos mediáticos para que sirvam de inspiração aos demais, especialmente os jovens de quem se pode esperar mais em matéria de empreendedorismo.

Há claramente uma oportunidade da agricultura em Angola que resulta das nossas necessidades de alimentação internas ainda muito dependentes de soluções externas, perniciosas sob todos os pontos de vista, mas principalmente porque não tendo autossuficiência em matéria agrícola ficamos dependentes do exterior; na fase actual, agudiza este cenário o facto das cadeias de abastecimento estarem a recuperar dos dois anos das restrições da pandemia, da guerra na Ucrânia e do aumento da inflação, especialmente dos bens alimentares que funcionam como comoditties.

Este caminho que estamos a trilhar, não é singular. Estão na mesma rota outros países africanos como a Etiópia, Marrocos, Ruanda, Quénia, Cotê-d´ivoire e a toda-poderosa África do Sul, todos eles num estágio relativamente mais avançado que o nosso.

Mas as condições naturais do nosso país permitem-nos admitir que os resultados podem ser sentidos num prazo mais curto caso haja esse investimento nas cinturas verdes no entorno das grandes cidades.

Mas quando falamos da agricultura em países como o nosso, com os resultados que todos vamos sentindo e observando, não podemos perder de vista o peso da agricultura familiar, que segundo estudos representa cerca de 80% da nossa produção, contra os 20% da agricultura industrial empresarial. 

Apesar da sua performance, a agricultura familiar, no nosso seio, continua a conhecer inúmeras dificuldades, especialmente no acesso ao crédito, logo, com reflexos na expansão da sua produção. Essa dificuldade é resultado do ambiente de negócios, especialmente para o sector da agricultura cujo peso de exposição ao nível da banca ainda é residual e dos seguros quase nula.

É importante, desse modo, reduzir a burocracia que se observa. Falo do Estado e obviamente devemos continuar a estimular iniciativas como o Simplifica que está a sofrer largas resistências por aqueles que vêem os seus interesses ameaçados; falo da segurança jurídica e não é em vão que os tribunais em muitos municípios estão agora apinhados de litígios por causa de terras, mas falo também do nosso crónico problema da qualidade da mão de obra – o agricultor precisa receber também formação, capacitação para que possa tirar maior rendimento das terras e culturas que cultiva.

Se há, portanto, um boom da produção agro-alimentar, este deve-se fundamentalmente a agricultura familiar à qual devemos prestar uma maior atenção, com programas do Estado, subsídios, acesso facilitado à terra e ao crédito por via de cooperativas, capacitação e desburocratização. Tornemos a agricultura a base e uma questão de sobrevivência.