Luena – A província do Moxico representa grande simbolismo no panorama político de Angola, por ter sido o palco das negociações que determinaram o alcance definitivo da paz, a segunda maior conquista dos angolanos, depois da proclamação da Independência Nacional, a 11 de Novembro de 1975.
Por Teotónio Chilambavo, jornalista da ANGOP
Foi nas imensas e cerradas matas desta província, a maior do país, com 223 mil 23 quilómetros quadrados, representando 17 por cento do território nacional, onde se travaram vários combates militares, determinantes para o fim da guerra.
Após inúmeras tentativas para o alcance da paz, sob mediação da comunidade internacional, entretanto fracassadas, foi a cidade do Luena, capital do Moxico, que acolheu a última etapa do longo período de negociações entre as Forças Armadas Angolanas (FAA) e as extintas Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), então braço militar do partido UNITA.
As negociações culminaram com a assinatura do Memorando do Luena, a 30 de Março, um passo fulcral para a cessação das hostilidades, na sequência da morte, em combate, do então líder da UNITA, Jonas Savimbi, a 22 de Fevereiro de 2002, marcando o fim de décadas de guerra entre irmãos desavindos.
O Memorando de Entendimento marcou o início de um novo ciclo desta jovem Nação, independente desde 11 de Novembro de 1975, e criou as bases para o crescimento económico e o desenvolvimento multifacetado do país.
Nesse processo, o Moxico permanecerá nos anais da história moderna de Angola, como a província da guerrilha e dos guerrilheiros, face à dedicação e ao contributo dos seus “filhos” na luta, não só pela conquista da paz, mas, também, pela Independência Nacional.
A capacidade combativa, de resistência e resiliência da população desta região do país foram testadas, principalmente, em 1991, quando, durante 45 dias, a cidade do Luena foi cercada e incessantemente bombardeada pelas forças das extintas FALA.
Segundo fontes consultadas pela ANGOP, os ataques tinham como objectivo pressionar o Governo a concordar, de forma célere, com os pontos propostos pela UNITA nas negociações, no quadro dos acordos de Bicesse, que decorriam em Portugal.
“A guerra dos 45 dias foi o pior momento que a população desta província viveu, porque, no meio de muito sofrimento, começou a comer tudo o que aparecesse, por falta de alimentos. Há pessoas que comiam corvos e ratazanas”, lembra o historiador Francisco Chiwende.
De acordo com relatos de alguns sobreviventes das “escaramuças dos 45 dias”, a cidade ficou sitiada em todos os extremos geográficos pelas FALA, impedindo a entrada de viaturas, a partir da vizinha província da Lunda Sul, e aterragem de aviões, para abastecer a província com alimentos.
Conforme Francisco Chiwende, na altura, Moxico era uma zona estratégica, tendo em conta a sua localização geográfica e a proximidade com a República Democrática do Congo (RDC) e a Zâmbia.
O também investigador acrescenta que a duração dos 45 dias só foi ultrapassada com o espírito combativo da população local, que sempre carregou em si a veia guerrilheira.
Lucusse no plano da paz
Entretanto, foi no ano de 2002 que o Moxico entrou, definitivamente, na rota da paz, na sequência da ofensiva que resultou na morte de Jonas Savimbi.
Relatos e imagens de diversos órgãos de comunicação social nacionais e estrangeiros anunciavam ao mundo, a partir da comuna do Lucusse, a 133 quilómetros da capital do Moxico, a morte do líder fundador da UNITA.
Segundo Francisco Chiwende, que na altura se encontrava no Luena, a conquista da paz foi uma necessidade imperiosa para o país. Neste contexto, o especialista sugeriu um estudo mais profundo sobre o local exacto da morte de Jonas Savimbi.
O historiador e antigo funcionário do Governo Provincial do Moxico afirma que “o líder da UNITA foi morto na foz do rio Luio, localidade da comuna do Luvuie, município dos Bundas, a cerca de 300 quilómetros do Luena.
“Como aquela região é coberta por muita vegetação, o corpo foi transferido para a vizinha comuna do Lucusse, município do Moxico (sede), onde foram captadas as imagens e foi feito o consequente anúncio da morte”, disse.
Cassamba entra no roteiro da paz
Apesar de o Luena ter albergado as negociações que marcaram o fim do pior período da história recente de Angola, por ser capital provincial, foi na comuna de Cassamba, município dos Luchazes, onde se negociou o pré-acordo de cessar-fogo, assinado a 18 de Março de 2002.
Este encontro contou com as presenças dos generais Geraldo Sachipengo Nunda, em representação das Forças Armadas Angolanas (FAA), e o chefe de Estado-Maior das FALA, Abreu Muego Ukwachitembo “Kamorteiro”, em representação da UNITA, quase um mês depois da morte de Jonas Savimbi.
O encontro, transferido dias depois para a cidade do Luena, foi determinante para a elaboração do Memorando de Entendimento do Luena, a 30 de Março, que permitiu a assinatura do acordo de paz efectiva, a 4 de Abril de 2002.
A paz teve os seus primeiros passos no Moxico e teve o seu ponto mais elevado no edifício da antiga sede da Assembleia Nacional, em Luanda, onde foi solenemente assinada na presença de várias individualidades nacionais e internacionais, recorda o historiador Francisco Chiwende.
Entre os participantes do primeiro encontro, em Cassamba, reunindo delegações do Governo e da UNITA, esteve o jornalista Estevão Jorge Venâncio, da Televisão Pública de Angola, na altura destacado como operador de câmara na cobertura do evento decorrido numa chana, a menos de um quilómetro da sede comunal.
O profissional lembra que aquele encontro, com duração de hora e meia, foi importante para a história do país, porquanto marcou o início das conversações para a paz definitiva e reconciliação entre os angolanos.
Conforme a testemunha, além do general Nunda, em representação das forças governamentais, no local esteve o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ligado à estrutura de segurança do gabinete do então Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Paz em Angola – um modelo inspirador
Na verdade, o processo de paz, de unidade e reconciliação nacional em Angola constitui um modelo inspirador para várias nações, devido, sobretudo, à maturidade política demonstrada pelos protagonistas angolanos, que, na etapa final e decisiva do conflito, não precisaram da mediações internacional.
Ao contrário de outras tentativas para o alcance da paz, fracassadas ou de pouca duração, o fim do conflito de 27 anos foi selado entre filhos da mesma Pátria, com um vivo aperto de mão.
Esse espírito de união e reconciliação nacional foi, recentemente, manifestado pela filha do conhecido general Kufuna Yembe, um histórico militante da UNITA e ex-membro das FALA, que combateu ao lado de Jonas Savimbi, e, posteriormente, integrado nas Forças Armadas Angolanas (FAA).
“Já tivemos várias oportunidades de partir deste mundo para o outro, mas Deus não permitiu. Lembro-me de quando comíamos alimentos sem sal, espremíamos ervas para conseguir uma gotinha de água para saciar a fome e a sede”, revelou Marcelina Yembe, ainda angustiada.
Marcelina, que fez estas declarações aquando do enterro de seu pai, falecido recentemente no Luena, destacou o processo que conduziu à paz, unidade e à reconciliação dos angolanos.
“Quando fomos capturados, parecia que era o último dia das nossas vidas, mas foi o princípio de muitas felicidades. Naquele dia, não me lembro de quem era, mas veio uma voz de fora dizendo: senhor general, viemos buscar-te junto com a sua família, o sofrimento acabou. E, realmente, o sofrimento tinha acabado quando chegamos à cidade”, lembrou.
Uma nova Era
A guerra em Angola provocou a destruição de milhares de escolas, centros hospitalares e postos médicos,
retardando o progresso de uma Nação que ainda sente os efeitos do conflito.
Até ao ano de 2002, mais de 70 por cento da rede de estradas do país encontrava-se em avançado estado de degradação e mais de dois terços das quatro mil pontes e pontões existentes estavam parcial ou totalmente partidas.
Para inversão desse quadro, o Governo tem vindo a fazer investimentos consideráveis, com a construção de infra-estruturas escolares, unidades sanitárias, barragens, expansão da rede eléctrica, sistemas de distribuição de água, entre outros projectos, embora haja ainda muito por se fazer.
Na província do Moxico, em particular, mesmo de forma “tímida”, é notória a sua evolução em diversos sectores, com a construção de várias infra-estruturais sociais e económicas.
Nos últimos anos, a província registou o crescimento da rede escolar, e tem implementado políticas de inclusão social e de combate à pobreza.
No segmento da educação, o número de alunos que frequentam o ensino geral subiu de 100 mil, em 2003, para mais de 300 mil até agora, dos quais mais de 200 mil, no ensino primário.
Quanto aos professores, a região controla, actualmente, seis mil e 896 docentes, que asseguram o processo de ensino e aprendizagem em 356 escolas e duas mil 216 salas de aula.
Apesar disso, a província carece, ainda, de mais 800 novas salas de aula, equivalente a 62 escolas de tipologia T14, para acolher mais de 77 mil crianças que se encontram fora do sistema de ensino.
A província registou, também, crescimento no ensino superior, com o surgimento de três instituições desse sub-sistema de ensino, que movimentam mais 20 cursos, disponibilizando, em média, mais de sete mil estudantes por ano.
No capítulo da saúde, pelo menos 20 novas unidades sanitárias foram construídas e reabilitadas, em diversas sedes comunais e municipais, no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), durante os últimos cinco anos, para desafogar a elevada procura que se regista nos hospitais de referência.
Essas unidades sanitárias juntaram-se às actuais 148, alargando o acesso ao direito de saúde da população.
Mais oportunidades
A província do Moxico possui diversas potencialidades económicas, culturais, turísticas e minerais, mas, até agora, muitas continuam “virgens”.
Pelo seu pontencial, poderiam contribuir, exponencialmente, para a diversificação económica do país.
A falta de estradas asfaltadas é apontada por muitos, como o principal factor que tem limitado o desenvolvimento desta região.
Moxico conta com a penas 585 quilómetros asfaltados, dos três mil e 477 que compõem a malha rodoviária da região, sendo que dos nove municípios, apenas um (Camanongue) está ligado por estrada asfaltada.
A província experimenta dificuldades relacionados com a expansão da rede eléctrica, em todos os municípios, crucial para atrair investidores e alavancar o sector económico, fundamentalmente com a construção de pequenas e médias indústrias.
Entretanto, um Parque de Energia Solar, com uma potência instalada de 26,906 Megawatts, está em construção no Luena, e a sua execução ronda já os 60 por cento. O projecto vai beneficiar mais de dois milhões de pessoas.
Este parque “energia limpa” terá 42 mil 560 painéis solares até à sua conclusão, dentro de dois anos, o que vai permitir poupar pelo menos 19 mil 515 litros de combustível consumidos nas actuais centrais térmicas.
Presentemente, para além da energia térmica, a cidade do Luena está a ser abastecida por 6.5 MW, dos 12 produzidos no aproveitamento hídrico-eléctrico do Chiumbe, instalado no município do Dala, província da Lunda Sul, mas, ainda assim, insuficiente para responder à demanda da cidade onde habitam mais de 460 mil cidadãos.
Quanto ao sector das águas, a Empresa Provincial de Águas e Saneamento do Moxico efectuou, no Luena e arredores, sete mil e 400 ligações, das quais cinco mil 791 activas, beneficiando 200 mil habitantes, que correspondem 37 por cento de cobertura em toda a província.
Com o objectivo de reforçar a rede de distribuição do produto, está a ser implementado o Projecto de Desenvolvimento Institucional do Sector de Águas, que vai alargar a taxa de fornecimento para 70 por cento.
Conforme o historiador Francisco Chiwende, apesar do calar das armas, muito ainda deve ser feito no Moxico, tendo em conta o aumento da criminalidade e sentimento de injustiça social que paira entre a população.
Defendeu, por isso, a criação de políticas públicas viáveis para a promoção do desenvolvimento económico e social do país, com fortes investimentos nas comunidades.
Por outro lado, encorajou os jovens a apostarem na formação académica e no conhecimento sobre a história do país, evitando o imediatismo.
“A juventude deve fazer de Angola aquilo que ela deseja. Não é uma Angola de desordem, conforme temos registado, mas servir a Pátria com responsabilidade”, rematou.
Angola celebra a 4 de Abril, 21 anos desde o alcance da Paz e Reconciliação Nacional, sob lema “21 anos de paz, construindo uma Angola melhor”. TC/YD/IO/ELJ