As privatizações e a estabilidade

Há mais de trinta anos, com a abertura democrática e a consequente mudança do sistema económico, o Estado tinha dado início do até agora processo de privatização e alienação da gestão de empresas e activos públicos a favor de entes privados.

Ao longo das três décadas, com toda a complexidade que envolvia a realidade das empresas por privatizar, a cultura laboral herdada do monopartidarismo e os desafios relacionados com a perspectiva de uns  se tornarem patrões e de outros passarem a trabalhar para privados pela primeira vez, geraram os mais variados debates na sociedade. Por um lado, alguma corrente, ávida do capitalismo a qualquer preço, “vendia” a ilusão baseada na ideia de que “o Estado era problema e que o privado solução”, um mito desmistificado sobretudo com a crise económica e financeira que o mundo assistiu em 2008 e seguintes, em que o Estado foi chamado, em muitas partes do mundo, a “acudir” o sector privado.

Para a outra parte, mais prudente e com os pés bem assentes na realidade angolana, além de defender a necessidade de o Estado preservar o seu domínio absoluto ou relativo em empresas estratégicas, devia-se  caminhar com toda a segurança que o processo envolvia, tal como procura fazer o Estado angolano.

Hoje, se olharmos para trás e avaliarmos o quanto o Estado ganhou com o processo inicial de privatização, iniciado nos anos 90 do século passado, daremos conta de que nem sempre correu bem, sobretudo quando medimos em termos quantitativos e qualitativos o número de empresas que, depois de passarem para o privado, poucas tiveram continuidade.

Mas ainda assim e partindo do princípio que será um processo que nem sempre correrá necessariamente bem, o importante é que, de caminhada em caminhada, se aprendam as melhores lições. 

Desde há algum tempo, sobretudo nos últimos anos e meses, o processo ganhou uma dinâmica visível, em que o Estado ganhou milhares de milhões de kwanzas com a privatização de empresas e activos, num contínuo esforço decorrente da necessidade de “destatização” de largas esferas da economia, um ganho para os privados, para as famílias e para a república.

Ao lado das boas intenções do Estado, que pretende deixar de ser, em muitas esferas, omnipotente e omnipresente, há também situações que podiam  ser devidamente acauteladas, nomeadamente a forma como decorre a passagem de mãos do Estado para o privado.

E exemplos não faltam de processos de privatizações que podiam ser mais bem geridos, inclusive para evitar derrapagens, incompreensões e sobretudo alguma instabilidade na economia de uma maneira geral.

Por exemplo, a privatização do Banco de Comércio e Indústria (BCI), que já data de alguns meses, está a produzir efeitos que, independentemente das razões e explicações e até do direito que assiste ao “novo dono” do banco, podiam ser acautelados e evitados. É verdade que o novo proprietário do BCI, à luz das cláusulas que envolveram a aquisição da instituição, tem todo o direito de proceder como bem entender para tornar o banco rentável, mas os moldes e efeitos que produzem o encerramento de balcões em determinadas localidades, para colocar os clientes a deslocarem-se grandes distâncias, podiam ser mais bem articulados e geridos.

Não seria exagerado, da parte do Estado, exigir, no processo de negociação e venda, prazos mínimos ou modalidades vantajosas para determinados procedimentos, como, por exemplo, o encerramento de balcões e despedimentos dos colaboradores.

Diz-se que a referida instituição bancária adoptou uma série de medidas que têm como fim último alcançar a satisfação dos clientes, que são o maior activo, mas a realidade em províncias como Cuanza-Norte e Benguela, apenas para mencionar estas, leva a inúmeras interrogações, baseadas inclusive nos comunicados exarados pelo próprio BCI. .

Por exemplo, um comunicado do BCI, no Cuanza-Norte, orientando os procedimentos a serem observados com o encerramento de dependências, dizia o seguinte: “assim sendo, informa que a partir do dia 7 de Novembro de 2022, ficam encerradas, de forma definitiva, as agências de Ndalatando, município de Cazengo e Dondo (Cambambe), situadas na província do Cuanza-Norte. Contudo, para manter a continuidade da relação, todos os clientes dos balcões em questão terão as contas domiciliadas na província de Malanje”.

Como ter os clientes como “maior activo” e “satisfeitos” com o encerramento de balcões e obrigá-los a deslocarem-se do Cuanza-Norte para Malanje para efectuarem operações bancárias que, com os encerramentos das dependências locais, deviam ter alternativa na própria província?

O que sucede no Cuanza-Norte ocorre noutras províncias e municípios, uma situação que o BCI devia e deve acautelar, sob pena de, além de pôr em causa a confiança e credibilidade junto dos clientes, impactar negativamente na economia das famílias e empresas.

Queremos acreditar que o Estado e o “novo dono” do BCI estejam a retirar as melhores lições do processo de privatização daquele banco que, como se espera, não venha levar as pessoas a concluírem que “está pior agora nas mãos do privado”. Esperemos que o processo em curso, nesta fase inicial, com o “novo dono” sirva para que os resultados atendam a economia nacional, os clientes e que sejamos capazes todos, enquanto partes do Estado, a retirar as melhores lições com os processos de privatização porque a lógica segundo a qual o Estado representa problema e o privado solução começa também ser desmistificada. Uma narrativa, muito presente nos processos de privatização das empresas em Angola, envolve sempre a chuva de informação sobre despedimentos, realidade que ocorre sempre que alguma empresa é privatizada. É verdade que a maioria das empresas públicas possuem uma força de trabalho excedentária, cuja (im)produtividade não deve ser apenas questionada com base nos números, mas igualmente na maximização dos resultados com o seu trabalho. É expectável que o Estado, na condição vantajosa em que negoceia a privatização do que é seu, e sem prejuízo das iniciativas e intenções do “novo dono”, oriente no sentido da preservação da estabilidade das empresas, dos empregos  e da economia.