Uma viagem às eleições de 1992

Cerca de cinco milhões de eleitores votaram nas primeiras eleições multipartidárias da história de Angola, ocorridas nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992.

A taxa de participação ultrapassou os 90 por cento. Estavam em disputa 220 lugares na Assembleia Nacional e o cargo de Presidente da República. Nas eleições legislativas concorreram 17 partidos políticos e uma coligação, integrada por cinco partidos, e, nas presidenciais, 12 candidatos, um dos quais, o político Mfulumpinga Nlando Víctor, desistiu da corrida, já depois de terem sido impressos os boletins de voto. José Eduardo dos Santos, candidato pelo MPLA, conseguiu 1.953.335 votos (49,57 por cento), ficando em primeiro lugar, e, em segundo, o líder da UNITA, Jonas Savimbi, que obteve 1.579.298 votos (40,07 por cento). Para a Assembleia Nacional foram 11 partidos políticos e a única coligação que concorreu, a Aliança Democrática-Coligação (AD-Coligação). O MPLA saiu vitorioso com a obtenção de 2,124.126 votos (53,7 por cento), conquistando 129 assentos parlamentares, enquanto o seu mais directo adversário, a UNITA, obteve 1.347.636 votos (34,1 por cento), número correspondente a 70 assentos. A segunda volta das presidenciais não foi realizada devido ao retorno à guerra, por Jonas Savimbi não ter aceitado os resultados das eleições gerais, reconhecidas pela ONU como tendo sido “livres e justas”.

José Eduardo dos Santos
49,57 por cento dos votos

“Tempos novos em Angola”. Muita gente que votou em 1992, ano da realização das primeiras eleições gerais da história do país, deve lembrar-se desse chamariz, criado para a imagem com que o MPLA e o seu candidato, José Eduardo dos Santos, se apresentaram para o pleito. No campo do marketing político, o MPLA e o seu candidato presidencial estavam servidos pela Propeg, uma das melhores e mais experientes agências de propaganda e marketing político do Brasil, dando um carácter profissional à sua campanha eleitoral, uma decisão que terá sido tomada um ano antes das eleições gerais.

Na campanha eleitoral, José Eduardo dos Santos, ao lado do partido que encabeçava, soube aproveitar os erros de Jonas Savimbi, líder da UNITA, apresentando-se aos olhos do eleitorado como o garante de uma paz permanente para Angola. A popularidade de José Eduardo dos Santos ficou reflectida nos resultados da primeira volta das eleições presidenciais, apesar de não ter conquistado a maioria absoluta. José Eduardo dos Santos só não ganhou à primeira volta por ter ficado a menos de um por cento da maioria absoluta. Ficou em primeiro lugar, conquistando 49,57 por cento dos votos validamente expressos, mas forçado a ir a uma segunda volta com Jonas Savimbi, o segundo mais votado, com 40,07 por cento dos votos.

A segunda volta das eleições presidenciais nunca se realizou, por Jonas Savimbi ter optado por mergulhar o país numa guerra pós-eleitoral, que durou 10 anos, com o argumento de fraude eleitoral, até hoje, nunca provada. A divulgação dos resultados finais das eleições gerais foi feita a  17 de Outubro, dia em que Margaret Anstee, a representante do secretário-geral das Nações Unidas em Angola, reconheceu, lendo uma declaração oficial, que as eleições em Angola foram “livres e justas”. José Eduardo dos Santos continuou à frente dos destinos do país até 2017, ano em que se retirou da vida política activa, por vontade própria.

José Eduardo dos Santos governou o país durante 38 anos, 25 anos dos quais em democracia multipartidária.     


Jonas Malheiro Savimbi
40,07 por cento dos votos

 No dia 29 de Setembro de 1991, Jonas Savimbi regressou a Luanda com um semblante de vitória antecipadamente garantida, 16 anos depois da “expulsão” da UNITA da capital angolana. Com o rótulo de “mwata da paz”, atribuído pelos seus seguidores, Jonas Savimbi não soube tirar proveito da “popularidade relativa” que granjeou, como líder do maior movimento de guerrilha em África, que dizia ter lutado para travar a expansão do comunismo no continente e forçar o então MPLA-PT a instaurar o multipartidarismo.

Jonas Savimbi prometeu “calças novas em Setembro”, um dos bordões ouvidos no primeiro comício seu em Luanda, realizado no Largo 1º de Maio, agora Largo da Independência, e repetidos em toda a pré-campanha e campanha eleitorais de Jonas Savimbi e da UNITA. “Calças novas em Setembro” foi um “convite” à alternância do poder político, como garantia de uma “vida nova”, se os eleitores dessem a vitória à UNITA, nos dias 29 e 30 de Setembro.

Jonas Savimbi atraía não só militantes e simpatizantes, mas, também, curiosos, alguns dos quais críticos ao regime de partido único, em ouvir, para uma decisão em Setembro, a sua mensagem eleitoral em comícios. Os discursos do líder da UNITA eram intercalados com a intervenção de cabos eleitorais do partido, que gritavam para a plateia, para esta repetir, em uníssono, frases como “O nosso galo voa” e “Calças novas em Setembro”.

Jonas Savimbi não soube gerir e manter a sua “popularidade relativa”, conquistada durante a guerra civil, cometendo erros atrás de erros, nas intervenções públicas, em Luanda e noutros pontos do país, marcados por uma “linguagem belicista”, que amedrontou o eleitorado, já cansado de guerra. Da situação tirou proveito o seu mais directo adversário, que, ao contrário do líder da UNITA, era difusor de uma mensagem de paz e de reconciliação nacional. Resultado: Jonas Savimbi ficou, literalmente, irritado por ter obtido um resultado eleitoral de que nunca este-ve à espera, retomando a guerra civil, a partir da província do Huambo, para onde fugiu, no dia 6 de Outubro de 1992, três dias depois do início da divulgação dos re-sultados parciais das eleições gerais, pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

A guerra civil só veio a terminar com a morte, em combate, de Jonas Savimbi, a 22 de Fevereiro de 2002, na província do Moxico, onde a UNITA começou a luta armada pela independência nacional, com um ataque à vila Teixeira de Sousa, o actual Luau, a 25 de Dezembro de 1966.


Alberto Neto
2,16 por cento dos votos 

O presidente do já extinto Partido Democrático Angolano (PDA), Alberto Neto, foi notícia, quando, no dia 17 de Outubro de 1992, foram divulgados os resultados definitivos das eleições presidenciais e legislativas. O político conseguiu ficar à frente do líder histórico da FNLA, Holden Roberto, tornando-se a grande surpresa das eleições presidenciais, ao conseguir 2,16% dos votos apurados, contra os 2,11% obtidos por Holden Roberto.

Alberto Neto protagonizou um outro “momento histórico”, por ter reivindicado, depois da morte de Jonas Savimbi, em 2002, o direito a concorrer com José Eduardo dos Santos numa segunda volta das eleições presidenciais de 1992, por ter sido o terceiro candidato mais votado. O magro resultado eleitoral, alcançado nas eleições presidenciais de 1992, não o coibiu de procurar respaldo legal para reivindicar o que dizia ser um direito seu, já que o segundo candidato mais votado já não estava no mundo dos vivos.

Certo é que a segunda volta nunca se realizou, tendo a normalização da vida democrática sido marcada pela realização de eleições legislativas, em 2008, dois anos antes da aprovação da ainda actual Constituição da República, que determina a eleição indirecta do Presidente da República. Alberto Neto “desapareceu” do cenário político, em 2013, depois da extinção automática do seu partido, por não ter conseguido, nas eleições de 2012, o número mínimo de votos estabelecido por lei.


Holden Roberto
2,11 por cento dos votos 

O líder histórico da FNLA, Holden Roberto, foi o grande derrotado das eleições presidenciais, por ter obtido um resultado que ficou muito aquém das expectativas. O seu discurso conciliatório não foi suficiente para recuperar o carisma que tinha, sobretudo, em áreas de influência, quando a sua FNLA ainda era um movimento de libertação nacional.

Com a partida do líder Holden Roberto para o exílio, em 1977, a FNLA perdeu expressão política, um facto que contribuiu para o magro resultado obtido nas eleições legislativas e presidenciais de 1992. Holden Roberto veio a falecer em 2007, por doença, sem ter, como se ventilou na altura, se reconciliado com antigos guerrilheiros da FNLA, que não o perdoaram por terem sido abandonados pelo líder histórico, alguns dos quais ainda nas matas, na sequência do seu exílio, primeiro, na República do Zaíre, actual República Democrática do Congo, e, depois, em França.

O “desaparecimento” da FNLA, enquanto movimento de libertação nacional, começou a desenhar-se depois da captura, em combate, de mercenários, em Fevereiro de 1976, entre a Damba e Maquela do Zombo, e da deserção de altas figuras militares e políticas da organização. Holden Roberto regressou à vida política activa, em 1992, mas já com uma FNLA fragilizada, mesmo nas suas áreas de influência.

Holden Roberto obteve apenas 2,11 por cento dos votos nas eleições presidenciais de 1992.    


Honorato Lando
1,92 por cento dos votos 

Honorato Lando, o quinto candidato mais votado nas eleições presidenciais de 1992, era, até 1991, um desconhecido da maioria dos angolanos. Foi fundador do Partido Democrático Liberal de Angola (PDLA), criado em 1980, na província do Huambo, de onde partiu, três anos depois, para o exílio, que começou na República Federal da Alemanha e, depois, em França.

Em 1991, com a instauração do multipartidarismo em Angola, Honorato Lando regressa ao país e legaliza, em Julho de 1992, o seu partido, do qual se desvincula, em Fevereiro de 2009, para integrar o MPLA. A sua relação de proximidade com o MPLA nunca foi novidade, o que deixava transparecer nos encontros regulares que mantinha com a comunicação social, na sede do PDLA, que estava situada no bairro Neves Bendinha, na parte baixa da rua dos Marecos.

Honorato Lando foi embaixador itinerante de Angola de 1992 até à data da sua morte, a 1 de Setembro de 2017, em Toulouse, França, aos 79 anos, para onde havia viajado para receber tratamento médico especializado. 


Luís dos Passos
1,47 por cento dos votos

Luís dos Passos foi eleito presidente do Partido Renovador Democrático (PRD), numa controvérsia Convenção da formação política, realizada no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto. O evento ficou marcado pelo surgimento, à última hora, de uma nova lista, liderada por Luís dos Passos, para concorrer à direcção do partido, quando já era pública a existência de uma única lista, liderada por Joaquim Pinto de  Andrade,  que,  na sequência do resultado da Convenção, foi apeado do cargo, que exercia, provisoriamente, desde 1991.

Luís dos Passos foi o sexto candidato mais votado nas eleições presidenciais, enquanto o seu partido conseguiu apenas um assento parlamentar, ocupado pelo escritor Rui Augusto. Luís dos Passos abdicou da liderança do PRD, 16 anos depois da realização das primeiras eleições multipartidárias, devido aos maus resultados eleitorais obtidos pelo seu partido nas eleições legislativas de 2008.

Luís dos Passos abandonou a vida política activa e, actualmente, exerce, na província de Malanje, o cargo de delegado da Caixa de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas (FAA).  


Bengui Pedro João
0,97 por cento  

 Bengui Pedro João não seria o candidato às eleições presidenciais de 1992 pelo Partido Social Democrata (PSD). À última hora, foi escolhido para liderar o partido e concorrer às eleições presidenciais, em substituição do médico José Manuel Miguel, fundador do partido,  em 1989, impedido de concorrer por “razões judiciais”.

A candidatura de José Manuel Miguel foi recusada pelo Tribunal Supremo, por ele ter sido julgado por um crime, tendo estado, já em 1992, em liberdade condicional, depois de cumprir, na Cadeia de Viana, metade da pena de prisão que lhe havia sido decretada.

Bengui Pedro João foi deputado à Assembleia Nacional, da qual saiu, mais tarde, para exercer o cargo de vice-ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos de Guerra, no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN). A liderança de Bengui Pedro João chegou a ser contestada por correligionários, liderados por Nzunzi Sumbo, que o havia substituído no Parlamento, enquanto foi vice-ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos de Guerra.

Bengui Pedro João morreu, em 2010, por doença, aos 56 anos, e, no ano seguinte, Nzunzi Sumbo, este aos 52 anos.    


Simão Cacete
0,67 por cento dos votos

O engenheiro Simão Cacete entrou para a história das eleições gerais angolanas como o mais jovem concorrente nas presidenciais de 1992. Concorreu à Presidência da República em representação da AD-Coligação, uma aliança eleitoral integrada por cinco partidos e extinta, em 2008, por não ter alcançado, nas eleições legislativas, o número mínimo de votos (0,5 por cento), exigido por lei.

Simão Cacete é, também, lembrado por ter sido um dos políticos que, em 1992, depois da realização das eleições gerais, viajaram para a província do Huambo, onde fizeram, mas em vão, uma tentativa de aconselhar o líder da UNITA, Jonas Savimbi, a seguir as regras democráticas, aceitando os resultados das eleições legislativas e presidenciais.  Alegando razões de segurança, em 1992, Simão Cacete abandonou o país, com destino a Portugal, onde se encontra até hoje.    


Daniel Chipenda
0,52 por cento 

 O MPLA quis ir coeso às eleições gerais de 1992. A perspectiva de coesão levou à realização de uma reunião alargada, que ficou conhecida como o encontro da “Grande Família MPLA”, no qual eram aguardados antigos militantes que estavam desavindos com a direcção do partido dos “camaradas”.

Entre os antigos militantes do MPLA, estava Daniel Júlio Chipenda, que, em 1974, entrou em rota de colisão com Agostinho Neto, desentendimento interno que ficou conhecido como “Revolta do Leste”. Convidado por José Eduardo dos Santos a reintegrar o MPLA, já com Angola a respirar uma democracia multipartidária, Daniel Júlio Chipenda foi, depois, nome-ado director-geral da campanha do MPLA para as eleições de 1992, cargo que ocupou por pouco tempo: decidiu abandonar novamente o partido.

Acto contínuo, Chipenda optou por concorrer às eleições presidenciais apoiado, na qualidade de independente, pelo Partido Nacional Democrático Angolano (PNDA), conseguindo 0,52 por cento dos votos.

Daniel Júlio Chipenda faleceu em Lisboa, em 1996, aos 63 anos.   


Anália de Victória Pereira
0,29 por cento dos votos 

 “Mamã Coragem”, nome por que era também conhecida Anália de Victória Pereira, é a primeira mulher a concorrer ao cargo de Presidente da República em Angola. Em Portugal, onde viveu exilada durante 16 anos, Anália de Victória Pereira fundou, em 1983, com o seu marido, Carlos Simeão, o Partido Liberal Democrático (PLD).

Regressada a Angola em 1991, Anália de Victória Pereira legalizou o partido e ambos concorreram às primeiras eleições gerais em Angola. Enquanto o seu partido conseguiu três assentos parlamentares, Anália de Victória Pereira ficou em penúltimo lugar nas eleições presidenciais, conseguindo 11.475 votos, correspondentes a 0,29 por cento do total de votos dos 11 candidatos à corrida presidencial.

Anália de Victória Pereira morreu, em Janeiro de 2009, em Portugal, aos 67 anos, vítima de doença. Nas eleições legislativas de 2008, o partido que Anália de Victória Pereira criou não obteve o número mínimo de votos estabelecido por lei e, por esta razão, foi automaticamente extinto. 

Este ano pode, entretanto, aparecer a segunda mulher, a jornalista de profissão Florbela Malaquias, a disputar o cargo de Presidente da República,  se for cabeça-de-lista pela sua formação política – o Partido Humanista de Angola (PHA) -, legalizado, recentemente, pelo Tribunal Constitucional.


Rui de Victória Pereira
0,23 por cento dos votos

O político Rui de Victória Pereira participou nas eleições presidenciais de 1992 em representação do Partido Reformador Angolano (PRA), de que é fundador. Pouco se sabe do percurso pós-eleitoral de Rui de Victória Pereira e do seu partido.

Rui de Victória Pereira, irmão de Anália de Victória Pereira, morreu três anos antes da morte da líder do PLD, em decorrência de problemas cardíacos.


Mfulumpinga Nlandu Víctor


Identificando-se publicamente como “líder da oposição radical”, Mfulumpinga Nlandu Víctor deixou a sua marca na política nacional. Conseguiu fazer uma oposição com lucidez, inteligência e acutilância, tendo-se tornado, aos olhos de um número expressivo de eleitores, um deputado aguerrido, muito mais do que deputados do maior partido da oposição, pela forma como intervinha no Parlamento.

O sinal de que seria um político aguerrido retoricamente tinha sido dado na campanha eleitoral de 1992, ano em que, nas eleições presidenciais, desistiu de concorrer, para apoiar um dos candidatos. No dia 2 de Julho de 2004, quando saía, à noite, da sede da formação política que liderava (o Partido Democrático para o Progresso – Aliança Nacional Angolana -PDP-ANA), no bairro Cassenda, Mfulumpinga Nlandu Víctor foi vítima de assassinato.

Fonte: Jornal de Angola