A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) necessita de 5,5 mil milhões de dólares para fazer face às necessidades humanitárias e a recuperação da resposta a desastres de mais de 60 milhões de pessoas afectadas pela seca e inundações induzidas pelo fenómeno El Niño.
Esta necessidade monetária para a região foi anunciada, segunda-feira, pelo presidente em exercício da SADC, o Chefe de Estado angolano, João Lourenço, quando fazia o Apelo Regional da SADC à assistência humanitária em resposta à seca induzida pelo El Niño e aos ciclones tropicais afins, às inundações e aos deslizamentos de terra que se abatem sobre a região durante a estação de chuvas de 2023 a 2024, no final da cimeira extraordinária da organização realizada no formato virtual para debater a situação da seca induzida pelo fenómeno El Niño.
“A nossa região enfrenta uma crise humanitária resultante da seca e das inundações induzidas pelo fenó- meno El Niño, que afectou, de forma negativa, as vidas e os meios de subsistência de mais de 61 milhões de pessoas na região da SADC”, informou o estadista angolano.
João Lourenço, que orientou a reunião de alto nível, disse ter orientado o Secretariado da SADC a preparar o referido apelo humanitário em resposta aos impactos da seca induzida pelo El Niño, para apoiar os esforços de resposta e de recuperação em curso nos Estados-Membros, no rescaldo das declarações de calamidade nacional proferidas por alguns Estados-Membros.
Esclareceu que o Apelo Regional da SADC surge para complementar os esforços envidados pelos Estados-Membros e abrange todos os sectores relevantes da economia da região, a fim de permitir uma abordagem holística para fazer face aos impactos da seca e das inundações induzidas pelo El Niño.
O Apelo Regional da SADC, prosseguiu o Presidente João Lourenço, visa dar, “essencialmente”, resposta às necessidades humanitárias imediatas e as de desenvolvimento e de reforço da capacidade de resistência a longo prazo. “Ao lançarmos, hoje (ontem), este Apelo, exortamos a comunidade internacional, o sector privado e personalidades de boa vontade para que ajudem a satisfazer as necessidades das populações afectadas”, destacou.
O estadista angolano lembrou que a caridade é um acto que começa em casa, tendo, em função disso, apelado aos Estados-Membros da SADC com capacidade a ajudarem aqueles afectados, em concordância com a “longa tradição de solidariedade e cooperação regional”.
À imprensa, o Presidente João Lourenço apelou, igualmente, para que utilize o maior alcance e influência, de modo a realçar as necessidades das populações afectadas e atrair a atenção da comunidade internacional para a urgência e escala da situação humanitária que a região enfrenta, de modo a ajudar nos esforços de mobilização de recursos para este Apelo.
No discurso feito na abertura da cimeira, que contou com a participação de Presidentes e Primeiros Ministros da larga maioria dos países membros da organização regional, o presidente em exercício da SADC, cujo mandato termina em Agosto próximo, indicou que a Comunidade atravessa um momento de crise humanitária, em consequência da seca induzida pelo fenómeno El Niño, que está afectar, de forma negativa, as vidas e os meios de subsistência de milhões de cidadãos.
Esta seca, disse, ocorre numa altura em que a região se vê confrontada, também, com cheias repentinas e deslizamentos de terra decorrentes quer de chuvas fortes precipitadas pelos ciclones tropicais Gamane e Filipo, que devastaram Madagáscar, quer do ciclone tropical Belal, que passou à tangente pelas Maurícias em Janeiro, provocando chuvas torrenciais e ventos fortes que causaram inundações e resultaram na perda de vidas humanas, no deslocamento de populações e em danos a infra-estruturas e ao património.
Ciclones tropicais com impactos em cadeia
O Chefe de Estado deu a conhecer que os ciclones tropicais tiveram impactos em cadeia no Reino de Eswatini, na República do Malawi, na República de Moçambique e na República Unida da Tanzânia, onde, tal como avançou, as chuvas fortes causaram inundações repentinas que deram origem a deslocações de populações e a danos a infra-estruturas e ao património.
Como consequência da seca induzida pelo El Niño, o Presidente João Lourenço disse que as partes Sul e Central da Comunidade assistiram a precipitações sazonais bem abaixo da média, enquanto as partes Central e Sudeste da região sofreram condições de “extrema” seca e aquecimento por um período de mais de 50 dias consecutivos. “As zonas assoladas por períodos de seca graves tiveram precipitações mais baixas em 43 anos, ou seja, desde 1981”, precisou.
O estadista angolano ressaltou que análise feita por especialistas em clima revela que, para as partes centrais da região, a estação de chuvas recém-terminada coincidiu com o Fevereiro, mês mais seco há 100 anos, enquanto algumas zonas vivenciaram um dos períodos de chuvas de maior pluviosidade entre o final de Janeiro e o início de Março, causando, deste modo, deslizamentos de terra e danos a culturas agrícolas e a infra-estruturas críticas. “Esta combinação de variados fenómenos meteorológicos extremos, em simultâneo, deve-se às alterações e variações climáticas que vivemos”, explicou.
As precipitações sazonais abaixo da média, avançou o presidente em exercício da SADC, deram origem a défices de água, causando más colheitas e o crescimento reduzido da vegetação necessária para a pecuária e a vida selvagem. Como consequência disso, disse ter sido notificada a morte de mais de 9 000 cabeças de gado bovino associada com a seca, enquanto, só no Zimbabwe, mais de 1,4 milhões de cabeças de gado bovino correm o grande risco de morte por falta de pastagens e de água.
“A situação é semelhante em outros Estados-Membros, tais como o Malawi e a Zâmbia”, alertou o estadista angolano, sublinhado que a escassez de água e de pastagens tem culminado, também, com o au- mento dos conflitos entre humanos e as espécies selvagens, resultando na perda de vidas humanas.
Aumentado riscos e casos de surtos epidemiológicos
O Presidente João Lourenço disse que os episódios de fontes de água inseguras aumentaram os riscos e os casos de surtos epidemiológicos transmitidos pela água, tais como a cólera, que grassa em vários países da SADC, entre os quais a RDC, Malawi, Moçambique, Zâmbia e o Zimbabwe, causando a perda de mais de 2 023 vidas humanas.
Informou, por outro lado, que os ciclones tropicais e as precipitações acima da média já causaram inundações repentinas e deslizamentos de terra em Estados-Membros como Madagáscar, Malawi e Tanzânia.
À guisa de exemplo, o Presidente João Lourenço referiu que o ciclone tropical “Freddy”, que atingiu o Malawi em Março de 2023, afectou 2 267 458 populares, provocou 1 219 óbitos, 659 298 deslocados, cujos custos de recuperação são estimados em 1 147 milhões de dólares, enquanto o ciclone tropical “Gamane”, que atingiu várias regiões de Madagáscar, abalou 89 465 pes- soas de 22 189 agregados familiares, provocando a perda de 19 vidas humanas.
“O ciclone também forçou 22 615 populares a procurarem refúgio em 78 abrigos comunitários”, indicou. Os efeitos, tanto da seca induzida pelo fenómeno El Niño quanto dos ciclones tropicais e das inundações, salientou o Chefe de Estado, transcendem os países supracitados, pois todos os Estados-membros da SADC sentiram, directa ou indirectamente, os impactos destes fenómenos associados às alterações climáticas.
João Lourenço lamentou o facto destes episódios estarem a acontecer numa altura em que a região acaba de emergir dos impactos da pandemia da Covid-19, que disse ter levado a óbito milhares de cidadãos e devastado economias.
O presidente da SADC destacou os esforços dos Estados-membros para gerir e responder aos impactos da seca provocada pelo fenómeno El Niño, durante o período de 2023 a 2024 e por ciclones tropicais e inundações conexos.
Criado Centro de Emergência da região
O presidente em exercício da SADC informou, na ocasião, que o Centro de Operações Humanitárias e de Emergência da SADC (SHOC), criado para viabilizar resposta coordenada a casos de desastres e apoiar os Estados-membros afectados, já está em vigor desde 28 de Abril deste ano, na sequência da assinatura da maioria de dois terços dos Estados-membros.
“Antevejo, e acho que é também a expectativa dos cidadãos da nossa Comunidade, que, com o estabelecimento do SHOC, a região estará melhor preparada para fazer face a situações de desastres a longo prazo”, declarou o Presidente João Lourenço, acrescentando que o referido centro visa assegurar uma gestão coordenada de situações de desastres na região.
Fez saber que o centro de aviso prévio do SHOC estará conectado tanto à Sala de Diagnóstico da Situação do Sistema Africano de Aviso Prévio de Múltiplos Riscos e Acção Rápida (AMHEWAS), como aos Centros de Aviso Prévio dos Estados-Membros. Este cenário, disse, vai garantir a troca de informações de aviso prévio entre os centros enunciados, a fim de permear a preparação para eventos futuros.